26 março 2010

anti-poema

leio teu poema

enquanto toca

"blue monday"

na imaginação

hoje tem tudo para ser mais

um dia díficil na vida

você sonhou que eu caí da janela &

com os preparativos para o enterro

"eu acordava, descobria que estava sonhando, sentia um alívio, e era só fechar os olhos pra coisa toda recomeçar"

alô mãe! o fim está chegando

Onde está a porta?

dentro de uma caixa

sem saída

ando dentro de mim

perdido

vejo coisas de olhos fechados

confuso

tua carne chora,

nem sabes que há

um escaravelho dormindo no tanque

o gato chora de fome

até aprender

a caçar

eles choram de dor

até aprenderem

a machucar

outro inocente

o processo continua

kafkiano

(...)

acordei com um pentagrama arranhado nas costas

& com formigas saindo por todos os oríficios,

inclusive pelo ânus

Buñel! Buñel!

manchete do jornal:

serial killer do amor ataca novamente

lolita 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 dylanos, cabelos blondie, lábiostones, olhos velvet underground, curvasex pistols, unhas black flag, all staramones, voz cat power, flaming lips, aplica doses nirvanescas de amor (fina) em velhos corações nabokovianos solitários & beatlemaníacos ...

bem-vindos ao clubinho dantesco

luzes negras sobre lençóis azuis

hexagramas amorosos
bicicletas enferrujadas
abandonos em série
jogos de futebol
contradições
fotografias em pb
tapas ardentes
gravadores de voz
espancamentos
velhos lp's mofados
traumas infantis
uhf's quebrados
tentativas de suicídio
televisões fora do ar
cintadas
gritos
coças
rádios am's
mentiras & traições
fuscas
todo tipo de jogos
show de calouros
humilhações
entretenimento
& violência gratuita
missa das crianças

domingo

fantástica
decepção

nem sempre as relações de sexo livre
são relações de liberdade para todos


alô criançada o circo chegou!
venham ver o palhaço poeta
a onça que devora poesia
& o macaco que escreve contos
eróticos senhores & senhoras


tudo o que você verem de dia será sonhado por mim
& o que sonharem será visto se vocês se permitirem

viver
ainda

+ um pouco +

uma dúvida contida neste picadeiro é se em qualquer realidade a pior hora é a de acordar. a dúvida que surge depois da dúvida que já é certeza é se isso é um poema

se não for pelo menos as estrelas desenhadas com sangue

o são nas paredes desta fábrica de ilusão &

 peças coloridas para automóveis suicidas

palmas!

palmas para o poeta
que gira espantado
no globo da morte
dentro da boca
com fome
do leão

(...)

enquanto isso comerei meus dedos
até que o dia ponha a cabeça para fora

de uma vez por todas
meio-dia
segunda-feira

a neblina não subiu

Fala irmão!
viver é cair da janela todos os dias
porém enquanto possuirmos asas
será uma questão de escolha se as bateremos

coincidência ou puro acaso
terça-feira passada olhei pela janela
de cara senti uma puta vertigem até que vi
lá embaixo um menino roubando goiabas maduras
lá de cima perguntei se estava chupando tudo!

ele olhou-me como se eu o insultasse;
fiquei com mais medo do olhar dele do que da queda

talvez talvez é

aquele lance da queda que sinto quando ------

ou da queda entre uma

recaída
& outra


dias desses tive um sonho estranho: estava no cemitério velho, todas as covas estavam abertas, olhei para a rua paralela, vi umas 5 ou 6 freiras andando em fila, em seguida na rua vi a mãe empurrar a vó numa cadeira de rodas... vi num álbum de fotografias que Tia Anita tinha 77 anos quando morreu. A vó estava com 75 & algo me dizia que ela morreria aos 77 como sua irmã, mas ao mesmo tempo eu sabia que já estava morta ...

o cristianismo está enraizado em nossos sonhos. raízes metafísicas & medo da morte: contradições

como bons cristãos deveríamos desejar a morte como salvação, todavia sabemos que é o fim.

não somos mais cristãos. desejamos a vida (apesar de muitas vezes eu desejar morrer, não à procura de salvação, mas como uma negação de uma vidinha de merda e medíocre que eu mesmo escolhi (que eu mesmo escolhi ?)).

finalmemte

estamos vivos. é o que importa. mesmo se seu sonho nesta realidade (a única realidade?) tivemos grandes momentos, fomos amigos, loucos, poetas, artistas, músicos, anarquistas, vagabundos, bêbados, libertinos, desbravadores de matas fechadas, malandros, mergulhadores, marginais à margem & tivemos sorte &

a sorte de ser duas pessoas diferentes vindas do mesmo lugar escuro, indo para a eternidade sem memória do desconhecido

somos o fruto espermático do mesmo desejo animal

te amo meu irmão (digo isso com lágrimas nos olhos trêmulos)

volto cambaleante depois do mergulho alegre no ribeirão

um anti-poema é um poema?

se um poema é um poema é um poema

um anti-poema é um anti-poema é um anti-poema

o anti-poema é uma poema para fora

tripas de um esfaqueado na barriga

a barrigada do mandi na pia da cozinha

os orgãos expostos pela boca do sapo atropelado

os olhos saltados do pássaro apedrejado

o pelo do nosso cachorro da infância enroscado num prego

o homem que acaba de levar um tiro & rasteja na calçada

enquanto sangra a vida pela boca

a língua roxa de fora do enforcado cujo corpo balança

remetendo a uma infância perdida na noite escura dos séculos

uma verruga
um câncer
uma ferida

o anti-poema

é um poema

depois de tudo

é um pênis

é um clitoris

(...)

sonhei com a cobra

rajada

estávamos em um ritual

no meio da mata

numa clareira

sentados

nós - meu irmão - de novo

eu tocava pandeiro

& o preto com traços indígenas disse

que deveríamos tocar com mais vida

disse isso para todos

haviam outras pessoas

com instrumentos percussivos

cujos rostos não distinguia

ver a cobra era aprender

enxergar o que não pode ser visto

objetivamente

estava misturada à arvore

não tenho ritmo

desejo tocar

você me deu algo para ingerir

havia uma semente

coloquei no começo da garganta

havia mais uma substância

que não lembro se era gosmenta

senti minha percepção mudar

a cobra agora rasteja

sobre as folhas do terreiro

não há medo

(...)

estou numa ponte
sobre um rio furioso
de águas barrentas
alaranjadas

john lennon aparece
& leva a garota


as portas para a orgia são abertas

john se foi
"The dream is over"

nós entramos
nas entranhas
da miragem

(...)

o espelho virou espelhos

depois da queda
é assim que nos vejo
agora

múltiplos reflexos
dentro da força da cachoeira

corpos de cristal gritando
ventos que desfolham margaridas

entre chuvas

o beija-flor canta
- eu nunca havia ouvido seu canto -

subo
morro a
lesma des
               liza
                    no
                        asfalto
& eu só
penso em me

matar a chuva
começa de novo

(...)

o escaravelho está morto

jogaram sal em meus olhos

você arde febril

& beija o demônio

nas profundezas lacinantes

de seu próprio coração

infernal

(...)

meu corpo é esmagado

pelas engrenagens da máquina

quero expelir o sistema pela boca

tenho naúseas terríveis

vozes me assombram com suas ordens

todos temos medo do amanhã

eu não suporto mais!

quero o caos neste lugar

a destruição total das estruturas

que não me permitem ir além

dos sonhos

romper as frustrações


o câncer é a flor do mal


o sol desta manhã explodirá a terra
                                                     daqui a 5 bilhões de anos
s o ´ h a ´ g o r a

& agora tudo é possível

inclusive a poesia

ou anti-poesia cheia de graxa

entre números & gráficos

entre milhões de carros

entre alarmes

entre poluição

entre queimadas

entre torturas

entre paradoxos

assassinatos

massacres

lágrimas

guerras

vermes

pânico

falsos profetas

entre entres

entre

cegos mortos

pobres excluídos

mendigos

loucos

ainda sinto


o anti-poema selvagem

Um comentário:

Anônimo disse...

Adoro mergulhar no seu mundo interior cheio de quimeras malucas.