o rio marrom, as bicicletas na calçada,
quarta-feira, as mulatas,
as vitrines, as ruas sem saída,
o asfalto, as nuvens densas
e brancas, as curvas,
uma pontada na cabeça
as cartas de rilke, um poema
da hilda, um suco de abacaxi
com hortelã na padaria da
esquina
e um salgado morno, menos 3
reais, não mais infeliz,
("mais com menos sempre dá menos"
, somava ana lúcia na sétima série)
"onde fica a rua? dez anos
depois me lembro de você,
eu sou o, ah! tudo bem não
se lembrar, apesar de me
tratar como um velho
conhecido
maço de free sobre tua mesa,
você diz que está terminando
mais um trabalho que "já se pas
saram 27 anos desde a primeira
pesquisa","quase minha idade",
penso. "não saio mais daqui",
diz e sorri. quanto a mim "não
trabalhei mais desde a época
que aprendi que a vida não é
banco imobiliário. "ótimo então!",
um de nós fala e antes de nos
despedirmos com um aperto de mão
, no istmo: "por favor, assine aqui",
agradeço. "minhas férias começam
dia 12, ligue dia 15,
a fátima o atenderá"
aproveito a deixa,
desço as escadas,
o cachorro já não
está mais, percebo,
um motorista de ambulância, um policial
a paisana, um cobrador, "óuuuuu pico
léééééééééé"! uma mãe adolescente, uma
enfermeira no ponto do circular,o cara
de terno quem sabe um advogado,
estudantes de branco no banco
da praça, um trabalhador de uniforme
abóbora dormindo depois do almoço, uma
mulher com uma sacola de compras, um
tipo malandro assobia, uma atendente
de consultório dentário atravessando
a ponte, 47 vendedoras numa loja de
sapatos, uma família no carro, um pai
levando o filho para a escola, uma
grávida, taxistas, um casal do século XX
descendo do ônibus, as costas nuas de
uma morena apressada, um homem
fumando em frente a um restaurante,
& a minha inexistência,
invisibilidade e solidão
que amo tanto
e a lama
asfáltica
carecas, calvos, cabeludos, loiros,
morenos, perplexos, deprimidos,
motivados, risonhos, machos, ruivos,
afeminados, gays, lésbicas, exibicionistas,
misóginos, loucos, malucos, dependentes,
trapaceiros, inocentes, indecifráveis,
brancos, pretos, cores, muitas cores
e listras, horizontes e prédios,
espelhos, aromas, fumaças, cheiro
de batom, sabores, um resto de sorvete
derrete na calçada, dois mendigos,
queijos, filas, pingentes, relógios,
celulares, troca de olhares, óculos
escuros, gravatas, jóias, desempregados,
sandálias, cães, aviões, cabelos
brancos, helicópteros, jornais,
sons, placas, avenidas, a água escorre
no meio-fio, muros descascados com
trepadeiras, jardins coloridos, praças
refrigeradas, buzinas e búzios, anúncios
onde estão os poetas?
os poetas são seres
invisíveis & sós
inexistem em
existências
silenciosas
nestes tempos de
banda larga e carros sem embreagem
poetas
que amo tanto por não saber
quem são
nunca estive ou vi
um ou uma poeta
ou aquele
que finge
completamente
é tudo
menos
poeta
é a própria poesia
tudo menos poesia
& até a poesia
pode não ser
poesia e o próprio
poeta ser poesia
um cachorro dormindo na escada,
um jornal na lata
de luxo, um
pedaço de
plástico
descendo o
rio sapucaí, uma moto
quebrada, cheiro de coisa
morta, um guarda
chuva esgualepado, uma
loja de sapatos, picolé de limão, uma banca
de revistas, carros do ano que vem, um ônibus
chega de varginha, indo é meio-dia e é como
se o estômago da cidade roncasse,
o barulho aumenta, o centro agita
moças coradas de cabelo alisado,
vendedores de tudo e qualquer coisa,
sapatos de bico fino, flyers, saltos,
saias, pichações, calças que delineam
bundas, homens com camisa de times
de futebol, pedintes, um casal se
despedindo na platoforma b5
mercúrio em capricórnio
estátuas nuas, esquinas, aluga-se,
hotel, "proibido andar de bicicleta na
rodoviária", "rock the casbah" na FM
, garotas arrecadando doações para
o hospital do câncer, o cobrador,
passagens para
paisagens, casinhas no meio
do mato, chaminés, imagino
fogões de lenha, cafés e bolo
de fubá, pastos e criações,
o ônibus freia
psiiiiiiiitchuuuuuuuuuuuuuu
uma família entra
16h
hora de digerir a vida para comê-la
de novo até que um dia qualquer ela
como uma jibóia decida comer o que
restar de humano e largar a poesia
como ossos que se chupam
ou recolha as roupas do varal porque vai chover
itajubá, 2 de dezembro, 2010
Um comentário:
E um dia sem paciência pensei que a vida era chata. Aprendi a digeri-la conforme o gosto e cada passo andado, não mais pressa, observe absorvendo objetos ângulos perspectivas, poetas perdidos transeuntes desconhecidos, talvez quando paramos pra cuspir alguma coisa o chão se torne multicolorido e sim é onde encontramos poetas transcendentais do mundo que corre sem olhar os detalhes...
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